O que é teologia narrativa?
A teologia narrativa teve origem na última metade do século XX e é uma abordagem à teologia que encontra significado na história principal da Bíblia1. Ela afirma que a Bíblia é a história do relacionamento de Deus com Seu povo (Abraão, Israel e então, a Igreja). As Escrituras não são primeiramente para nos ensinar princípios, regras ou fatos sobre Deus, mas para nos transformar em pessoas e comunidades que se relacionam com Deus. Através da história de Deus nós aprendemos a assumir nossos papéis.

Minha jornada dentro da história
Pelos últimos 20 anos, meu marido e eu trabalhamos com treinamento de jovens adultos na JOCUM (Jovens com uma missão). Em 2009, eu experimentei uma mudança nos nossos alunos. Cada vez mais eles escolheriam em quais verdades acreditar, colocando-as no topo da cultura ocidental conforme parecesse adequado. Sua teologia “sistemática” (embora não compreendida como tal) foi constantemente contraditória de formas profundas. Também se contrapôs ao seu modo de vida. Por exemplo, enquanto a maior parte dos estudantes diria que foram levados de volta a um relacionamento com Deus através da vida e do trabalho de Jesus, em um ato de graça – seu imaginário é de um Deus que se retira de nós quando pecamos e seu cristianismo “vivido” vê muita de sua energia gasta na tentativa de “sentir-se” bom o suficiente para Deus e perto Dele.
Ao mesmo tempo, as taxas de abusos, vícios, depressão, baixa auto-estima, etc. entre os nossos estudantes dentro das escolas de porta de entrada da JOCUM, se igualavam as mesmas porcentagens dos casos entre os não-cristãos na sociedade americana. Parecia que a dificuldade da nossa fé de fazer sentido na vida, deixava as pessoas procurando em outros lugares por maneiras de encontrar paz e aliviar a dor.
Enquanto eu discipulava alunos desta geração, eu me perguntava: Como eu posso comunicar o cristianismo, a formação espiritual e o crescimento a esta geração em uma linguagem significativa, ilustrativa e com conceitos que vão de encontro a suas questões e gere transformação?
Fatos versus Intimidade
A influência da filosofia Grega e do Iluminismo na Igreja rompeu com a prática da fé e nos deixou com categorias para conhecer sobre Deus e pouca informação sobre como podemos crescer em intimidade com Deus. Como Dallas Willard disse: “Nós trocamos o conhecimento, a experiência e a participação de Deus por uma doutrina sobre Ele. Nós substituímos as boas novas do reino de Deus como base e realidade para construir a vida, por um monte de crenças ditas por aí”.
Isto ignora o desenvolvimento do caráter, rompe com a transformação profunda e transmite a imagem de um Deus distante e arbitrário. Eu me dei conta de que precisava de uma maneira de começar a colocar os trilhos de volta no lugar, ajudar àqueles a quem eu discipulei a compreender o cristianismo e suas vidas de uma maneira que os transformasse. Eu precisava de uma maneira de facilitar o caminho desta geração em direção à intimidade com Deus, à maturidade, à comunidade e a uma vocação significativa. Descobri isso na meta-narrativa ou na história principal da Bíblia.
Setephen J. Nichols, presidente da Reformation Bible College compartilha de um sentimento bem parecido. Quando ele começou a ensinar teologia, ele rapidamente percebeu que seus alunos não estavam tão animados com o assunto quanto ele. Ele disse, “Eu falaria propriamente de teologia, Cristologia, pneumatologia, antropologia, hamartiologia, soteriologia, eclesiologia, angelologia e escatologia. Eles iriam simplesmente sair”.
Ele também se sentiu desencorajado quando percebeu que os alunos não estavam fazendo conexões enquanto progrediram pelo currículo. Ele ansiava por ver os alunos fazerem uma ligação ao que tinham aprendido anteriormente, ou seja, uma conexão entre o currículo e a vida. Ele concluiu que a maneira com que ele ensinava era a barreira destas conexões.
“Mencione as categorias da teologia enciclopédica sistemática e as pessoas estarão perdidas. Teologias são uma linguagem de corporação, pela corporação e para a corporação. De modo inverso, mencione a criação, a queda, a redenção e a restauração e você estará falando uma linguagem de pessoas, pelas pessoas e para as pessoas”.

Cuidado, contadores de histórias!
Obviamente há críticas à narrativa teológica. Infelizmente algumas pessoas mudam da história para a aplicação sem se preocupar com a cultura, o contexto ou com a intenção original das escrituras. Isto pode ser abusivo da parte daqueles que querem mais compartilhar sobre suas crenças e opiniões pessoais, podendo levar a ensinamentos que são prejudiciais e não são bíblicos.
Defensores mais extremistas da teologia narrativa argumentam que a teologia mudou através da história, e que nós não deveríamos fazer nenhuma afirmação definitiva sobre nada. Eles dizem que nenhuma verdade absoluta pode ser conhecida, e que não devemos ser dogmáticos com relação à teologia. Até certo ponto eu concordo. Meu pai costumava dizer “O diferencial das pessoas piedosas, é que nós não nos damos ao luxo de sermos dogmáticos”.
Embora eu soubesse que estava implícito que nós seríamos dogmáticos sobre certas coisas. Deus é o criador; Deus é três em um; Jesus é completamente Deus e completamente homem; dentre outras coisas. Sem absolutismos, a igreja pode parecer muito mais com a cultura moderna do que com Cristo e a profunda comunhão. Ainda assim alguns elevam histórias e testemunhos pessoais ao nível de autoridade das Escrituras. Quando eu falo sobre teologia narrativa, não é isso que estou querendo dizer.
Como a narrativa teológica sustenta o discipulado
Então, não devemos nos precipitar. A narrativa teológica pode providenciar um apoio saudável para a teologia sistemática, quando usada corretamente. Muitos defensores acreditam que a Bíblia contém uma verdade proposicional, mas argumentam que o propósito primário da Bíblia é revelar o relacionamento de Deus com Seu povo e mostrar como cada um de nós se encaixa nesta história principal. Na verdade, eles defendem que a narrativa teológica é menos provável que a teologia sistemática em colocar versículos fora do contexto para embasar posições doutrinárias e crenças pessoais. Eu comprovei isto em meu próprio contexto ministerial. Se você ler meus Blogs, Uma história para se viver (Partes 1 – 5), você começa a entender como a narrativa bíblica ajuda a tecer temas através da Bíblia, ligando vários pedaços de forma a aprofundar nossa compreensão e ajudar a manter a integridade hermenêutica.
Vários outros aspectos da narrativa teológica são benéficos. Primeiro, a premissa de se relacionar com Deus como pessoa ajuda as pessoas que lutam para vê-lo como real, próximo, amoroso, bondoso ou fiel. Em nossa própria experiência ministerial, quando começamos e terminamos com propostas como “Deus é amor”, jovens adultos se baseiam em suas próprias experiências. Fundamentados em suas próprias medidas, eles determinam se eles acreditam nesta verdade. Nossos estudantes atuais têm pouco conhecimento bíblico e nós precisamos de maneiras de ensiná-los até que eles reconheçam isso. Eles não possuem uma âncora (além de sua própria experiência de vida) na qual possam amarrar todas as proposições ou medir a verdade de qualquer afirmação. A narrativa teológica proporciona isso.
Em segundo lugar, a narrativa bíblica revela quem Deus é, como Seu reino trabalha e quem somos destinados a ser como Sua imagem e semelhança. Ela nos ensina a verdade para transformar como imaginamos, o que amamos, o que desejamos e mais. Ela deve ser aplicada em cada aspecto de nossas vidas para nos formar como povo de Deus que encarna Seu reino na terra. Jesus encarnou o reino e nos convida a fazer o mesmo. Desta maneira, a narrativa bíblica pode ser um caminho para a transformação real, ao invés de ser apenas uma aquisição de conhecimento.
Outra influência positiva da narrativa teológica é que ela fortalece o valor da comunidade. O cristianismo ocidental atual enfatiza a “minha fé individual”, mas a história da Bíblia é a de Deus com Seu povo. Comunidade é algo central no cristianismo e na maturidade. O professor de Wheaton, Alan Jacobs compartilha que: “A “história do Cristão” é a da comunhão: Nós, cristãos, “contamos a história de Deus” ou participamos da narração do próprio Deus, dentro e através da Igreja. A vida do indivíduo cristão faz sentido e atinge seu propósito através de sua participação nesta narrativa contada em comunhão”.
Em adicional, esta ênfase no povo de Deus e na comunidade de cristãos traz cura para o dano desenfreado que o individualismo ocidental tem feito à formação cristã. Até mesmo a neurociência moderna alcançou a natureza comunitária da humanidade apresentada a nós em Gênesis 1 e 2. Nós fomos criados à imagem de um Deus essencialmente companheiro. Quando perdemos a história da comunidade do Seu povo, nós perdemos as maneiras de ser humano, de curar uns aos outros e de transmitir a presença de Deus ao Seu mundo.
Por último, a narrativa teológica é fantástica para culturas de aprendizagem oral. Quando pensamos no mandamento de fazer discípulos de todas as nações – precisamos compreender que a maior parte dos não-alcançados e pouco-evangelizados no mundo hoje estão em culturas de narração de histórias, e que contar histórias deveria ser a base com a qual os alcançamos. (Veja “Toward Effective Teaching and Discipling of Oral Learners in South Asia” de Elena Ciobo para compreender melhor sobre este tema).
Considerações finais
Como em qualquer forma de teologia, precisamos utilizar a narrativa teológica de uma maneira responsável que reconheça a intenção original e o contexto da Escritura. Para aqueles envolvidos no discipulado, ela é útil em providenciar uma âncora de unificação que esteja de acordo com a vida e com Deus. Ela providencia a base para fundamentar os questionamentos desta geração e ajudá-los a refletir no que e como eles crêem, com o propósito de amadurecer. Ela ajuda a combater as atuais culturas de individualismo e chama a nossa atenção de volta para a comunidade. Também traz sentido para a nossa vocação, enquanto vemos como podemos desempenhar nossos papéis na ampla história de Deus e do Seu reino.
O Centro da ETED (Escola de Treinamento e Discipulado) em breve irá lançar o currículo reformulado da ETED. Isto irá ajudar a amarrar diferentes elementos do discipulado na ETED com a história de Deus. Será uma ferramenta fantástica para qualquer pessoa envolvida com discipulado. Fique atento ao site do Centro Internacional da ETED para o seu lançamento em 2019.
Para uma leitura mais aprofundada no apoio ou na crítica à narrativa teológica, recomendamos:
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- Frei, H.W. (1980). The Eclipse of Biblical Narrative: A Study in Eighteenth and Nineteenth Century Hermeneutics.
- Goldberg, M. (1982). Theology and Narrative: A Critical Introduction.
- Hauerwas, S. and Jones, L.G., ed. (1997). Why Narrative? Readings in Narrative Theology.
- Murphy, FA. (2007). God is not a Story: Realism Revisited.(Read a review of this book)
- Wright, J.W., ed. (2012). Postliberal Theology and the Church Catholic: Conversations with George Lindbeck, David Burrell, Stanley Hauerwas.
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- Narrativa teológica é também conhecida como teologia pós-liberal e surgiu da neo-ortodoxa. Embora represente uma ampla perspectiva sobre várias questões básicas, os defensores concordam e procuram reafirmar o significado da narrativa bíblica para o pensamento, a experiência e a ação cristã no mundo. ↩